A Floresta Portuguesa:
“Fagosilva”
Fig. 1- Alunos do Grupo de Montanhismo da Escola EB 2,3 de Vila Verde,
contemplam um bosque de carvalho-alvarinho (Quercus robur), no ano letivo de
1997/98, em plena atividade de campo do Grupo de Montanhismo, nas "terras altas do Concelho". Fotografia do
professor Luís Beleza Vaz, tirada no inverno de 1998, quando coordenava o Grupo
de Montanhismo da Escola, projeto no âmbito do Desporto Escolar e Membro da REDE PORTUGUESA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL. .
Antes da última glaciação (Wurm), e com um clima
subtropical-húmido, nesta região, a que hoje chamamos Portugal, existiam
florestas de árvores de folha persistente, típicas de “regiões subtropicais”,
com uma composição idêntica à que se observa, ainda hoje nas florestas
“naturais”, da região biogeográfica da
Macaronésia, zona constituída pelos Arquipélagos da Madeira, Açores, Canárias e
Cabo Verde. Nestes arquipélagos essa floresta, denominada de “Laurissilva” (silva,
em latim significa floresta), não foi devastada pela última glaciação, porque
as ilhas, estando rodeadas de água, nunca atingiram temperaturas muito baixas,
como os valores que se verificaram nas regiões continentais. Assim, a Floresta
“Laurissilva” sobreviveu nesses arquipélagos, enquanto nas regiões continentais
se extinguiu.
Este ecossistema “Laurissilva”, é assim designado por ser um tipo de floresta com árvores da
família das Lauráceas, como o loureiro (Laurus
nobilis), o til (ocotea foetens),
o vinhático (Persea indica) e o
barbuzano (Apollonias barbujana),
entre outras.
Fig. 2- Belo exemplar de um “Til”, Ocotea foetens (Aiton) Bail (Família Lauraceae). Existem na ilha da Madeira, exemplares com
mais de dois mil anos. Fotografia de
Vitor Reinecke
Segundo o ilustre Botânico português, professor Jorge Paiva, “…após as últimas glaciações, e com o
desaparecimento da “Laurissilva”, o respetivo nicho ecológico continental foi
ocupado por uma nova floresta, com espécies arbóreas mais adaptadas ao novo
clima…”. Criou-se desta forma um novo “bosque climácico”, que se desenvolveu
bem adaptado ás “novas condições físico-químicas”, então surgidas nesta região
do Globo. Entre as espécies lenhosas, predominam árvores da família das
Fagáceas, como os carvalhos (espécies do género Quercus), a faia (Fagus
sylvatica), com distribuição natural apenas no norte da Galiza, e o
castanheiro (Castanea sativa). Por isso, a este tipo de floresta devemos
chamar (segundo o botânico português, Dr. Jorge Paiva) de “Fagosilva” (
Silva= Floresta + Fago da família Fagáceas).
Fig.3 - Belo exemplar de carvalho alvarinho (Quercus robur L.), com mais de
600 anos e que segundo o Professor Jorge Paiva, será o mais antigo carvalho
desta espécie em Portugal. Este exemplar encontra-se na aldeia de Pincães,
freguesia de Fafião em plena serra do Gerês (encosta sul do maciço do
Gerês, sobre o vale do rio Cávado). Fotografia de Luís Vaz
|
No Noroeste do
país, zona onde nos inserimos,
podemos encontrar ainda alguns carvalhais climácicos (ainda com elevados
valores de biodiversidade), que revelam alguma da composição florística dos antigos
bosques caducifólios que outrora abundavam nesta zona a que hoje denominamos de
Minho. Nas encostas mais quentes e abrigadas aparecem o sobreiro (Quercus
suber, L.), o medronheiro (Arbustus unedo,L.), o azereiro (Punus
lusitanica, L.), o feto do Gerês (Woodwardia radicans L. Sm.), o
feto real (Osmunda regalis L.), a uva do monte (Vaccinium myrtylus).
Nas zonas mais abrangidas pelo clima atlântico, surgem as matas húmidas de
carvalho-comum (Quercus robur, L.) e o azevinheiro (Ilex aquifolium,
L.). Acima dos 900 metros o carvalho-comum dá lugar ao carvalho negral (Quercus
pyrenaica, L.), existindo também o vidoeiro (Betula alba, L.), o
pinheiro de casquinha (Pinus sylvestris, L.) e o teixo (Taxus
baccata, L.). Estes bosques
(carvalhais) são um “testemunho” da verdadeira vegetação natural da Região do
norte de Portugal, mais propriamente das matas húmidas de roble (Quercus robur L.) do noroeste de Portugal. Alguns botânicos, pensam que de facto a degradação deste ecossistema, as matas húmidas de roble (Fagosilva), se iniciou há cerca de 8 mil anos, quando o homem se tornou Agro-pastoril, semeando trigo/cevada e iniciando-se na atividade da pastorícia. O botânico Jorge Paiva, num texto seu, sobre a "História da Silva Lusitana", afirma mesmo que: "Uma parte das montanhas do norte do país, como por exemplo, a serra de Castro Laboreiro, talvez já estivesse com a floresta muito degradada no início da nossa nacionalidade". Como prova da forte presença humana nessa região, eventual responsável pelas primeiras degradações dos nossos bosques autóctones, refere a riqueza arqueológica local, como por exemplo as "mamoas e os castros", que segundo estudos recentes, apontam uma presença humana mais antiga para esta região do Alto-Minho, de há 5 mil anos.
Fig. 4- Distribuição europeia
das duas espécies do género Quercus, não perenifólias, que ocorrem na região Norte do nosso país
(modificado de Castroviejo et al, 1997)
(modificado de Castroviejo et al, 1997)
Por
outro lado, os Descobrimentos e respetiva Expansão marítima, tiveram grande
impacte na devastação das formações florestais do nosso país. A investigação
histórica florestal, revela que os Descobrimentos tiveram uma
grande responsabilidade na exploração e declínio das florestas europeias e,
evidentemente, também das de Portugal. Segundo o Botânico e
investigador, Jorge Paiva inicialmente para a construção naval, era utilizada a
madeira de azinheira (Quercus rotundifolia)
e a de sobreiro (Quercus suber), mas devido a esta grande procura, começou-se a por em risco a abundância destas duas espécies de carvalhos, que forneciam respetivamente, a
bolota comestível e a cortiça, foi nessa mesma altura, proibido o abate destas duas preciosas e úteis
espécies de árvores, tendo sido substituídas pelo carvalho-alvarinho (Quercus robur). Este carvalho-alvarinho, que é espontâneo no noroeste do nosso país, é sem dúvida o de maior porte que temos, e estima-se que para cada nau seriam
necessários, entre dois mil a quatro mil carvalhos. Outras madeiras também foram utilizadas,
mas em menor quantidade, portanto, com fraco impacte ambiental, nomeadamente a madeira do pinheiro bravo (Pinus pinaster) para a mastreação e
vigamento e a madeira de castanho (Castanea sativa)
para o mobiliário. Hoje em dia, sabemos pelos historiadores, que só para a “Campanha de
Ceuta”, foram necessárias 200 a 300 naus durante a Expansão dos Descobrimentos,
para a da Índia construíram-se 700 naus e para a campanha do Brasil 500. Portanto, e segundo o
Botânico Jorge Paiva, estima-se que durante essa época se teriam derrubado efetivamente, mais de 5 milhões de carvalhos. Segundo este botânico, não haverá dúvida, que foi assim que
se desflorestou a grande parte do nosso país, levando mesmo ao desaparecimento de muitos dos nossos
riquíssimos carvalhais, plenos de Biodiversidade. O declínio não foi apenas de
plantas, atingiu também o reino Animal, com destaque para o urso-pardo, que se extinguiu também nessa mesma época, em Portugal.
Mais
tarde, para a construção de rede de caminho-de-ferro, foram derrubadas as
florestas onde predominava o carvalho-negral (Quercus pyrenaica), cuja madeira servia para fabrico das travessas
das vias-férreas.
Fig. 5 - Taxus baccata L. - Vale do Zêzere, Serra
da Estrela. Fotografia de Pedro Santos.
Assim, as montanhas, particularmente as da região entre o Douro e o Tejo,
foram praticamente desarborizadas e, portanto, erodidas, tendo sido o respetivo
solo arrastado assoreando os rios. Com as montanhas desarborizadas, a população
passou a viver do pastoreio. A pastorícia intensiva também teve um grande
impacto na destruição da flora portuguesa, utilizando gados nacionais, mas
também espanhóis na época medieval. A quantidade de animais que pastava nas
serras era muito elevada, degradando os ecossistemas florísticos da montanha,
com a consequente erosão dos solos.
Os fogos e a prática das queimadas nas regiões agrícolas e também nas
regiões de pastoreio, foram outro fator que contribuiu e continua a contribuir
para uma desertificação efetiva das nossas montanhas. As referências de fogos
em Portugal podem remontar-se, pelos menos, aos fins do século XII, e os seus
nefastos efeitos operaram uma modificação quase integral na cobertura vegetal
de Portugal, e o consequente assoreamento de uma grande parte dos nossos rios.
Fig.6 - Carvalhal da encosta de Meijoeiros ( P. N. P.
G. – início da Primavera ). Fotografia de Luís Vaz |
Fig.7- Panorâmica de um urzal (matos compostos quase na
íntegra por Erica spp e Calluna vulgaris -urzais), onde
domina a Erica cinerea
(urze) e que se encontrava em floração. Fotografia de Luís Vaz
|
A destruição foi tal que os ecossistemas florestais portugueses, de que
ainda possuímos algumas relíquias muito degradadas, foram sendo substituídos
por urzais de Erica spp. e Calluna vulgaris, giestas (Cystisus spp.) e tojais (Ulex spp.) ou formações naturais mistas
de urzes, giestas, tojo e carqueja (Chamaespartum
tridentatum), vulgarmente conhecidos pela designação genérica de matos.
A partir de certa altura, essas áreas de mato foram rearborizadas com o
pinheiro bravo (Pinus pinaster). O primeiro Regimento de
Reflorestação que conhecemos são as leis publicadas em 1495 e integradas nas
“Ordenações Manuelinas”. Uma dessas leis das Árvores, constitui uma política de
promoção de rearborização nos baldios ou propriedades privadas de todos os
municípios, dá-se nesta altura o incremento do pinhal.
Esta lei realça a prioridade das resinosas, o que constitui um marco
importante na história florestal do nosso país, tendo-se dado, portanto, o
início da difusão dos pinheiros pelas montanhas portuguesas e, praticamente,
por todo o território.
Fig.8 – Castanheiros centenários (Castanea
sativa).
Fotografia de Manuel
da Costa.
|
Iniciaram-se nessa altura, grandes campanhas para semear o pinheiro bravo
(Pinus pinaster) e o pinheiro manso (Pinus pinea).
As nossas montanhas transformaram-se então num imenso pinhal, outrora
cobertas fundamentalmente por carvalhais caducifólios.
Como é do conhecimento público, a partir de 1975 aumentaram grandemente
os fogos florestais em Portugal, constituindo-se assim um verdadeiro “problema
nacional”, a destruição não só da nossa vasta área de pinhal, como também de
alguns “bosques relíquias”.
Como consequência dessa destruição do pinhal, tem-se vindo a assistir a
um aumento sistemático da área ocupada por eucaliptos por serem infestantes bem
adaptadas a zonas incendiadas e por outro lado são indiscriminadamente plantados,
devido ao seu grande valor económico, como matéria prima para a Indústria de
Papel.
Estas explorações agroflorestais mono específicas (compostas apenas por
uma só espécie vegetal), são promotoras do empobrecimento genético e da própria
“diversidade vegetal”, pois são explorações que provocam baixas drásticas na
Biodiversidade, como também são formações de elevada homogeneidade genética.
Isto implica
maiores riscos de catástrofes, como incêndios de grandes proporções e maior predisposição
para propagações de epidemias.
Fig.9 –Pinhal
de Pinus sylvestris na Serra da Peneda
(manchas de “sobreviventes” das florestações dos Serviços Florestais da
primeira metade do séc. XX) onde, apesar dos incêndios, surge como espécie
subespontânea – fotografia de Pedro Alarcão .
Finalizava esta “pequena história da Floresta Portuguesa”, com o intuito
de ilustrar, algumas das realidades da atual
floresta portuguesa, citando um artigo da jornalista Anabela Moedas, publicado
na Revista Ozono, de Janeiro de 2001 (Revista Ozono, Os impactes dos eucaliptos
segundo Anabela Moedas):
“Portugal tem cerca de 3300
hectares do seu território florestado, e provavelmente um terço dessa área está
ocupada com eucalipto. A política florestal dos últimos anos tem contribuído
para a descaracterização da floresta portuguesa. A floresta autóctone, de uso
múltiplo, está a ser substituída por monoculturas intensivas que fomentam o
absentismo rural e têm impactos irreversíveis no solo, na água e na
biodiversidade.
As vantagens da floresta são
sobejamente conhecidas. Mas será que podemos chamar floresta a uma plantação de
eucaliptos? Uma floresta é um sistema complexo que se auto-regenera e que
possui uma grande variedade de plantas em diferentes estados evolutivos.
Uma plantação de eucaliptos é uma
área cultivada, composta por árvores da mesma espécie – muitas vezes clones –
plantadas em blocos homogéneos da mesma idade.
O objectivo destas plantações é
produzir e colher grande quantidade de madeira no menor tempo possível. Não
difere muito de uma cultura agrícola…”
Se continuarmos neste “caminho”, é óbvio que o que resta da floresta
portuguesa, fará parte da história…, com todas as graves perdas da
biodiversidade, que ainda hoje possuímos, e assim caminharemos para uma
situação irreversível, do ponto de vista do valioso património, “florístico” e
“faunístico”, que nenhum de nós desejaria perder. Como tal, deveremos todos
desde já, desde políticos a simples cidadãos, implementar medidas que
contrariem a degradação e a destruição do que resta da nossa floresta
autóctone, a “Fagosilva”.
Maio de 2012
Professor
Luís Beleza Vaz
Bibliografia
·
Paiva, Jorge (Coimbra, 2000) – “O Parque Nacional da
Peneda-Gerês e a Floresta Portuguesa”
·
Moedas, Anabela – “Ozono” – Revista de ecologia, sociedade e
conservação da Natureza – Edição Janeiro 2001 nº4.
· Vaz,
Luís Filipe Beleza Gonçalves – “A Vegetação no Parque Nacional da Peneda-Gerês”
– Centro de Formação da Ordem dos Biólogos, Braga, Setembro de 2002.
Publicado por: Professor Luís Vaz
Publicado por: Professor Luís Vaz
O loureiro da Laurissilva não é o Laurus nobilis, mas sim os Laurus azorica e Laurus novocanariensis.
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarCara Fátima:
ResponderEliminarEstá correta a sua informação, mas este texto destina-se a falar sobre a floresta das fagáceas (Fagosilva) onde a espécie é o laurus nobilis, e não sobre a floresta das lauráceas (Laurissilva) onde a espécie já é o laurus azorica. No entanto não poderemos deixar de fazer uma referência à antiga floresta que ocupava esta zona geográfica antes da glaciação de Wurm, pois sabe-se hoje que existia aqui um clima subtropical-húmido, nesta região a que hoje chamamos Portugal (Continente), com a presença de florestas de árvores de folha persistente, típicas de “regiões subtropicais”, com uma composição idêntica à que se observa, ainda hoje nas florestas “naturais”, da região biogeográfica da Macaronésia, zona constituída pelos Arquipélagos da Madeira, Açores, Canárias e Cabo Verde
Luís Vaz